.

MARIA BRAGA HORTA E SUA TRAJETÓRIA LUMINOSA / João Carlos Taveira

Resolvi dar uma vasculhada no meu baú de escritos, papéis acumulados desde o fim dos anos 1980. E ali, pelo que pude perceber, há material para mais de metro. Tanto escrevi poesia quanto sobre a minha impressão acerca de autores e livros. E grande parte de ambas as atividades permanece inédita, sem nenhum horizonte de vir a lume, pois já estou velho, com o foco voltado para outra direção. E há também o fato de os editores hoje em dia procurarem mais por “carne fresca”, para suas investidas comerciais. Mas está tudo certo, está tudo bem. A vida é assim.

Preciosidade encontrada!

Publicado em 1996, pela Massao Ohno, o livro de poemas de Maria Braga Horta, intitulado “Caminho de Estrelas”, e que era tão esperado até aquele momento... Trata-se de uma reunião de toda a sua produção poética em alentado volume de 254 páginas ilustradas por Ivanir Geraldo Viana, com capa da filha Glória Braga Horta, organizado e prefaciado pelo primogênito Anderson Braga Horta, também poeta e um dos mais representativos de sua geração.


O livro enfeixa desde as primeiras criações até os últimos passos da poetisa pelas sendas do Parnaso, perfazendo um longo e fértil período, que se inicia em 1931 e vai até 1978. Portanto, quase meio século de uma produção rica e variada de autêntica poesia.  Tome-se como exemplo esta pequena amostra: 

                                                 “ANTIFLOR

                                      Caule esdrúxulo, gerado

                                      sem ventre.  Crisol de verdes

                                      espadas, sem punho e gume,

                                      erguidas do escuro estrume

                                      sem o orgasmo das sementes:

                                      (grande mistério o de seres

                                      vivente por recriado

                                      de fibras remanescentes!)

                                      — por que mistério ainda cirzes

                                      a terra, tão bem cerzida,

                                      com tuas finas raízes?

                                      — por quê, sem fonte de amor,                                     

 vives (eterna antivida!)

                                      se serás sempre antiflor?”

                                      

Maria Braga Horta, mercê das responsabilidades de professora, dona de casa, esposa e mãe de cinco filhos, foi uma mulher sempre atualizada e bem informada, nunca deixando de lado o seu diálogo com a poesia, quer por intermédio da leitura, quer no seu mister de criação.

Apesar de inédita em livro, angariou respeito e admiração de vários e importantes escritores, a exemplo de Carlos Drummond de Andrade que, reconhecendo-lhe os méritos artesanais, fez incluir o soneto “Legado”, a ele oferecido com dedicatória, no seu livro “Uma Pedra no Meio do Caminho”.  Vejamos o primoroso alexandrino: 

                                                   “LEGADO     

                                         A Carlos Drummond de Andrade

                                         (resposta a seu soneto do mesmo título)

                          Que lembrança melhor deixará para os seus

                          o poeta, senão os seus versos, seu tudo?

                          pois que deixa uma herança inspirada por Deus

                          e que a todos pertence em total conteúdo.

 

                          Nem é dado ao poeta, em seu último adeus,

                          deixar mais que o seu verso imortal e desnudo...

                          que este mundo atual não premia os orfeus

                          com palácios, brasões, nem medalhas e escudo.

 

                          Mas do verso que vibra e que escorre da pena

                          na infinita expressão que somente um poeta

                          poderá traduzir em linguagem terrena

 

                          ficarão para sempre a lembrança e o carinho

                          de quem soube polir, com primores de esteta,

                          uma pedra que havia em meio do caminho...” 

Dona de uma técnica apurada (de que nos dá testemunho grande número de sonetos) e conhecedora dos liames de seu ofício, a autora de “Apólogo Chinês”, com extrema delicadeza, constrói cada peça de seu mosaico como se trabalhasse (e trabalhava) peças de porcelana.  Seus poemas soam aos nossos ouvidos com intensa musicalidade e fluem diante dos nossos olhos como arabescos de filigranas as mais sutis.  Talvez aquele encantamento peculiar a uma voz lírica próxima à de Cecília Meireles, como se pode ver:

                                          “ASAS PARA O INFINITO

 Qual um pássaro sem destino abri, para o azul sem fim, minhas asas de teia e filigrana.

Tão frágeis, tão imateriais, como haveriam de resistir aos ventos, às procelas?

                          Como resistiriam, tão finas! ao frio e ao sol?

                          Eis o que aconteceu:

— fechadas, como um desejo, no pensamento, tinham a forma e as cores da perfeição...        

 — abertas à luz, transformadas em voo, desfizeram-se em pequenos retalhos deformados, como pedaços de penas a rolar pelo chão...” 

“Caminho de Estrelas” é um livro completo, cuja mestria autoral atinge um alto grau de sensibilidade e beleza. Um livro pleno de poesia, testemunho silencioso de uma artista que, em sua luminosa trajetória, um dia traduziu em versos “a ambição de ser deus(a) e a dor de ser mortal!”.

Dados biográficos de Maria Braga Horta

(Muriaé-MG, 17.II.1913 – Brasília-DF, 6.IV.1980)

Nascida na fazenda Boa Esperança, do arraial de Bom Jesus da Cachoeira Alegre, viveu entre a terra natal e a cidade de Manhumirim até desposar o também poeta Anderson de Araújo Horta, com quem peregrinou por uma dezena de cidades de Minas e de Goiás.

Fez os primeiros versos aos 12 anos de idade, e três anos depois os primeiros sonetos. Começou a publicar em 1930, no jornal “O Manhumirim”, e logo em jornais e revistas do Espírito Santo, do Rio de Janeiro e de outros Estados.

Como foi dito, teve seu soneto “Legado” incluído por Carlos Drummond de Andrade em “Uma Pedra no Meio do Caminho”. Figura em antologias do 2.º Torneio Poético da Poesia Falada  (Niterói), de Joanyr de Oliveira, de Aparício Fernandes, de Nilto Maciel, de Sérgio Faraco, da Academia de Letras dos Municípios do RS, no vol. 2 de “Escritores Brasileiros ao Vivo”, de Danilo Gomes, em antologia de contos de Napoleão Valadares e em seu “Dicionário de Escritores de Brasília”, no “Dicionário de Mulheres”, de Hilda Agnes Hübner Flores, no “Dicionário Crítico de Escritoras Brasileiras”, de Nelly Novaes Coelho, em “Uma História da Poesia Brasileira”, de Alexei Bueno, entre outras publicações.

Obra publicada


“Caminho de Estrelas” (poemas reunidos), São Paulo, Massao Ohno, 1996.

“Vozes de Aço, XVI Antologia Poética, Homenagem” (‘in memoriam’), Volta Redonda-RJ, ProArt Editora, 2014.

“Do Caminho de Estrelas, Versos em Três Tempos” (em colaboração), São Vicente-SP, Ed. Costelas Felinas, 2018.   

 

João Carlos Taveira, poeta e crítico, pertence à Academia de Letras do Brasil e a outras entidades literárias. Tem vários livros publicados, entre os quais “Arquitetura do Homem” (poesia).